(Por Israel Brandão)
Ao longo de mais de quinze anos dedicados à formação de profissionais da saúde e da educação posso dizer que construí valorosas amizades. É, pois, para você, que foi minha aluna ou meu aluno na escola e na universidade, que escrevo este pequeno texto, justamente por reconhecer a sua importância e a do seu trabalho educacional para o desabrochar desta e das futuras gerações.
Estamos enfrentando uma severa crise econômica, social e política em toda a aldeia global, mas, de modo muito especial, em nosso país. A principal característica deste sofrido momento é que ele significa aquilo que se convencionou chamar na ciência política de “interregno” (entre reinos), isto é, constitui um período de transição em que o velho está morrendo e o novo ainda não nasceu.
Para este novo mundo, chamado de líquido por Zygmunt Bauman, onde tudo é transitório e aparente, sem profundidade ou firmeza, muitas das coisas que estavam estabelecidas nos passado já não funcionam mais. Assim é que velhas verdades caíram por terra e outras viraram dogmas. Novas relações, mais virtuais do que reais, foram estabelecidas entre as pessoas e os interesses privados e individuais cada vez mais se sobrepõem às necessidades e acordos coletivos firmados.
O lado perverso da modernidade líquida é o ressurgimento de ideologias arcaicas e que já haviam sido sepultadas pela história. Assim é que discursos nazi-fascistas e movimentos em favor da intolerância (econômica, religiosa, sexual, racial, social, política, etc) vêm cada vez mais ganhando forma, especialmente entre os mais jovens, muitos dos quais se tornaram verdadeiros órfãos de valores e sentido existenciais.
Isso tem permitido a indivíduos oportunistas e às forças do atraso a indevida ascensão aos principais poderes da República. Podemos dizer tranquilamente que em nossos dias o poder está nas mãos dos piores políticos de toda a história brasileira. São pessoas que se dedicam com esmero a destruir políticas sociais relevantes e, de modo complementar, a retirar do cidadão direitos duramente adquiridos. Tudo isso para eternizar os privilégios da minoria mais rica e para agradar grupos poderosos nacionais e estrangeiros.
Os custos desta aventura insana é altíssimo, pois ela envolve a radical privatização da saúde e da educação, de modo a gerar lucros estratosféricos para as empresas financiadoras de suas campanhas eleitorais, mesmo que isso resulte no completo abandono da população às doenças cotidianas, surtos de epidemias e ao pior dos males, a ignorância e a impossibilidade do esclarecimento.
Não se negam a estabelecer laços com grupos criminosos, como as milícias, e a praticar a velha política de negociatas, que, para ganhar a simpatia dos incautos, tantas vezes criticaram. Também não se incomodam de patrocinar criminosamente o desmatamento florestal, a extração de minério em terras protegidas e, consequentemente, o extermínio de indígenas e de grupos sociais marginalizados.
Sustentam sua cruzada anti cristã apelando para a indústria religiosa, separando o mundo de maneira simplista entre “cidadãos de bem” e “vagabundos”. Não se cansam de atacar brutalmente àqueles que lograram subir a montanha e, por assim dizer, conseguem agora ver tudo o que está acontecendo na planície e no planalto.
O desrespeito aos movimentos sociais e às lutas pela equidade socioeconômica são parte integrante deste processo autoritário e obscuro, que tenta retomar discursos antigos, da época da Guerra Fria, mas que se tornaram muito úteis para dividir as pessoas em verdadeiras facções inconciliáveis no seio das organizações, das escolas e até das famílias. Semeiam, pois, a divisão de mentes e corações para obter o pleno controle sobre as massas atemorizadas e enfraquecidas.
Diante de toda esta onda de aniquilação a pergunta que emerge é: o que podemos fazer? Ora, mesmo sabendo que não existe receita pronta e muito menos resposta única para esta questão, é certo que necessitamos utilizar a mais poderosa ferramenta antropológica já inventada. Falo, evidentemente, da educação.
Queridos amigos, não sabemos como será o futuro, mas podemos construir uma solidariedade em torno de uma visão positiva dele. Isto depende de não ser omisso agora. Não se pode fugir da política. Não é possível e nem mesmo justo.
Assumir-se como ente político não é o mesmo que abraçar irrefletidamente uma ideologia. Significa, antes, buscar compreender as formas de convivência humana em nosso tempo, como também entender os modos como o poder é exercido e quem são os verdadeiros beneficiados por estas relações de poder e servidão.
É necessário, portanto, exercer a crítica cotidiana a todas as formas de dominação e opressão que o ser humano cria para aprisionar a si mesmo e a própria Natureza.
Por outro lado, não se omitir significa também não se eximir de dialogar com as diferenças, como também não desistir de lutar pela construção de valores universais e atemporais: como a vida, a democracia e o respeito pela diversidade.
Vamos continuar nossa luta incansável de educar sem modelar, ensinar sem doutrinar e formar os sujeitos para a autocrítica e a transformação ético-política. Temos a vida como horizonte e a história como testemunha.
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